Equipe do HJXXIII avalia atendimento a pacientes de explosão em barco no Acre

Última alta ocorreu neste mês de setembro. Equipe de Tratamento de Queimados da Fhemig atuou em grande força-tarefa no estado nortista

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O dia 7 de junho de 2019 foi marcado por uma tragédia no município de Cruzeiro do Sul, no Acre: 18 pessoas foram atingidas por uma explosão em uma embarcação no Rio Juruá, que rumava para os municípios de Porto Walter e Marechal Thaumaturgo, no interior do estado. As vítimas, em sua maioria, tiveram entre 60 e 80% da superfície corporal queimada, além de lesões de vias aéreas. Eram pacientes muito graves, que precisariam de uma assistência especializada para ter alguma chance de sobreviver.

Crédito: Fernanda Moreira Pinto/Ascom Fhemig

Uma semana antes, a mais de 4 mil quilômetros dali, em Belo Horizonte, a equipe da Unidade de Tratamento de Queimados (UTQ) do Hospital João XXIII (HJXXIII) – um dos centros de referência para esse tipo de atendimento no país – participava da XI Jornada Brasileira de Queimaduras, que reuniu especialistas e autoridades no assunto de todo Brasil. Muitos deles, vale destacar, do próprio HJXXIII, que tem longa experiência no tratamento de grandes queimados, com destaque para atuação em eventos trágicos como o do incêndio na creche Gente Inocente, em Janaúba (2017), e na casa de shows Canecão Mineiro, na capital mineira (2001).

Na ocasião, a presidente da Regional Minas da Sociedade Brasileira de Queimaduras, Marilene de Paula Massoli, destacou o protagonismo da UTQ do João XXIII, afirmando que o serviço “tem uma importância absurda no cenário nacional”.

Alguns dias depois, Marilene seria uma das articuladoras, pela SBQ, da transferência das vítimas da explosão em Cruzeiro do Sul para centros especializados no país, uma vez que o Acre não oferece esse tipo de atendimento.

Na própria sexta-feira em que ocorreu o acidente, iniciou-se o contato com a Secretaria de Estado de Saúde do Acre para avaliação da possibilidade de transferência dos pacientes e, em paralelo, as regionais da SBQ realizaram busca por leitos de terapia intensiva para tratamento de queimados no país. “Quase ninguém tinha vaga. Goiânia tinha um leito de CTI disponível e Brasília apenas leitos em enfermaria. Eram necessárias, pelo menos, mais seis vagas de terapia intensiva”, relembra Marilene.

Em umas das diversas ligações feitas, a médica fez contato com o diretor assistencial da Fhemig, Marcelo Lopes Ribeiro, na tentativa de conseguir outras vagas para as vítimas da explosão.

“Expliquei que tinha seis queimados precisando de terapia intensiva e não tinha vaga em lugar nenhum. Ele disse que tinha apenas uma na UTI do serviço de Queimados do HJXXIII, mas pediu mais 20 minutos para ver o que poderia ser feito. Pouco tempo depois ele me ligou, dizendo que conseguiria receber quatro pacientes. Mais alguns minutos, retornou e disse que receberia os seis. Foi absolutamente emocionante a disponibilidade do João XXIII e da Fhemig em colaborar numa tragédia nacional como essa. Poder trazê-los para um hospital com uma equipe especializada foi algo glorioso para nós”, avalia.

Plano acionado

Para conseguir receber seis pacientes com queimaduras graves, o HJXXIII teve que acionar seu Plano de Atendimento a Múltiplas Vítimas - protocolo elaborado em 2013 que reorganiza, em pouco tempo, espaços e equipes no hospital para receber vítimas de desastres e tragédias. Pacientes mais estabilizados que estavam na UTI do térreo foram transferidos para outras unidades da Fhemig e, só assim, foi possível montar temporariamente um outro centro de terapia intensiva de queimados, além do que já existe no 9º andar do hospital e opera com nove leitos.
 

Crédito: Fernanda Moreira Pinto/Ascom Fhemig

“Começamos a fazer uma mobilização dentro do hospital, acionamos as equipes, que se prontificaram de imediato, e, com a devida autorização da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), foi liberada a vinda desses pacientes. Fizemos contato junto ao Ministério da Defesa para liberação de UTI aérea com equipe da Força Aérea Brasileira (FAB) para o transporte das vítimas. Os dois primeiros já chegaram ao João XXIII na segunda-feira”, conta Marcelo Ribeiro, diretor assistencial da Fhemig.

Entre os seis pacientes que vieram para Belo Horizonte estavam cinco homens e uma criança de 3 anos e 4 meses. Dois homens foram a óbito alguns dias depois, por conta da gravidade das lesões, e os outros quatro pacientes tiveram alta meses depois. O último deles retornou ao Acre neste mês de setembro.

Desafios

A coordenadora da Cirurgia Plástica e da Unidade de Tratamento de Queimados do HJXXIII, Kelly Danielle de Araújo, ressalta que o desafio era ainda maior do que se imaginava inicialmente. “Além dos seis pacientes do Acre, tivemos simultaneamente mais cinco pedidos de vaga, de Minas Gerais mesmo, para grandes queimados. Tudo isso em três dias. E nós recebemos todos. No total, foram 11 queimados graves na mesma semana, sem falar nos pacientes que já estavam conosco” relata.

Com muitos casos graves ao mesmo tempo, a Enfermagem do serviço de Queimados teve que se reorganizar. “O grande queimado é um paciente que exige cuidado especializado, principalmente na hora do banho, que também é terapêutico, feito sob anestesia e dura entre 1h30 e 2h, em cada paciente. O curativo também é diferenciado, precisa ser feito de forma adequada. Então, foi liberada a hora extra para que pudéssemos dobrar nossa equipe, atuando tanto na UTI do 9º andar quanto na do térreo. Foi necessária uma interlocução muito alinhada entre todos”, afirma a coordenadora de Enfermagem da UTQ, Daniela Carreiro de Melo.

Kelly Araújo ressalta que o sucesso do tratamento desses pacientes envolveu esforços não só da equipe de Queimados, mas de todo o Hospital João XXIII. “Além das extensas queimaduras, eles também apresentavam trauma associado, de tórax, de pelve, entre outros, pois foram ejetados por conta da explosão. Todo o tratamento foi resultado de um trabalho conjunto que articulou o hospital inteiro”, reforça.

Com a vinda dos pacientes do Acre, o HJXXIII obteve ainda melhorias assistenciais permanentes, como a contratação de médicos. “Tínhamos cinco cirurgiões plásticos na UTQ e foram admitidos mais quatro. Além disso, foram contratados mais seis anestesiologistas para cobrir a escala geral do hospital e, dessa forma, termos mais profissionais disponíveis para atuar no Serviço de Queimados”, esclarece Kelly.

Tudo isso permitiu duplicar a realização de cirurgias na UTQ. “Um grande queimado tem lesões mais profundas e precisa ir para o bloco cirúrgico com frequência. O serviço conta com duas salas de cirurgia, mas, até então, só uma funcionava. Com as contratações, as duas salas passaram a funcionar simultaneamente e estamos atendendo com capacidade máxima. Nossa média atual é de 60 a 70 pacientes, entre unidade de internação e terapia intensiva, e de 80 cirurgias eletivas por mês”, destaca Daniela.

Multiprofissional

Além do atendimento médico e de enfermagem especializado em queimadura, Cirurgia Plástica e Politrauma, os pacientes tiveram o acompanhamento de profissionais das áreas de Psicologia, Assistência Social, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Nutrição do HJXXIII.

A assistente social, Roberta Vanessa Ramos, atuou diretamente com as vítimas da explosão e seus acompanhantes. “Como vieram de muito longe, os familiares chegaram totalmente desamparados. Conseguimos uma casa de apoio, onde foram acolhidos. São pessoas que deixaram suas famílias para ficar aqui por dois, três meses. Tudo isso é muito doloroso. Mas conseguimos contornar as dificuldades iniciais e passar segurança a eles. Queríamos que eles se sentissem em casa, apesar de tudo. E com o tempo, essas pessoas, que até então não se conheciam, acabaram se unindo, se apoiando e estabelecendo um vínculo forte”, conta.

Gratidão

F.L.V., de 46 anos - o último dos pacientes acreanos a receber alta - chegou ao HJXXIII em estado grave, assim como os demais, e com 60% da superfície corporal queimada. Foram mais de três meses internado, sendo um mês e meio no CTI.

“O atendimento aqui foi ótimo, fui muito bem cuidado. Quando eu acordei, nem tinha mais queimaduras, já estava tudo cicatrizado, sem nenhuma dor. Minhas pernas estão boas, já consigo andar um pouco. Agradeço muito pelo trabalho do hospital. Não desejo que ninguém passe pelo que passei, mas, caso aconteça, que possa ter o mesmo atendimento que eu tive. Fui arremessado por quase sete metros com o impacto da explosão. Minha família chegou a se despedir de mim e hoje eu estou aqui, voltando a andar. Ganhei uma nova chance de vida”, diz.



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