Números de doações e transplantes aumentam no segundo semestre deste ano, mas ainda não retomam cenário pré-pandemia

Recusa familiar continua alta e próxima a 50% na Região Metropolitana de Belo Horizonte e em torno de 40% no interior do estado

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Lucia Sebe

Os transplantes de órgãos realizados em Minas registraram um crescimento de quase 30% de janeiro a julho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo dados do MG Transplantes, divulgados pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), o volume de cirurgias saltou de 876 para 1.129 nessa base de comparação, uma expansão de 28,8%.

Devido à pandemia de covid-19, os transplantes em Minas haviam recuado de 2019 para 2020, passando de 2.512 para 1.573, uma queda de 37,4%. No entanto, no ano passado, o número de cirurgias subiu para 1.733, o que representa  um crescimento de 10,17% comparado a 2020.

“Ainda não chegamos ao patamar que pretendemos, mas houve um avanço em relação ao mesmo período do ano passado. Com a melhora dos números da pandemia, temos visto um progresso também nos números de captação e transplantes no estado. A nossa expectativa é que até o ano que vem, consigamos retomar, pelo menos, os valores de 2019”, analisa o cirurgião e diretor do MG Transplantes, da Fhemig, Omar Lopes Cançado.

Embora otimista, ele avalia que a situação dos transplantes não somente no estado, como também no país, requer o empenho de toda a sociedade para o crescimento das doações e das cirurgias, de modo a diminuir a fila de espera que, até o início de agosto, somava 6.123 pessoas apenas em Minas Gerais.

Setembro Verde

Neste mês, quando é celebrado o “Setembro Verde”, campanha para a conscientização sobre a importância da doação de órgãos e tecidos e o “Dia Nacional de Doação de Órgãos” (27/9), espera-se que haja algum avanço nos índices de captação e transplantes feitos no estado.

Omar afirma que é fundamental que a população entenda que a fila de espera ainda é muito grande e que apenas com a doação de órgãos será possível resolver esse grave problema de saúde pública. “Somente com a doação conseguiremos salvar quem precisa, transformando a espera em esperança de uma nova vida. É importante que todos conversem sobre o assunto, que deixem a família ciente de que é um doador de órgãos e tecidos, para que ela possa realizar a doação com mais facilidade”, esclarece o médico.

Os aumentos constatados, especialmente no segundo semestre, devem ser creditados a dois fatores principais: à melhoria nos índices epidemiológicos da pandemia e à nota técnica do Ministério da Saúde, editada no início deste ano, que autoriza que pessoas com histórico positivo para a covid-19 sejam doadoras. A decisão se baseia na evidência científica de que a transmissão da covid-19 por meio de órgãos é praticamente inexistente, exceto no caso do transplante de pulmão.

Fila de espera

O professor aposentado Gilcimar Faustino de Oliveira, hoje com 50 anos, descobriu, aos 20, ao doar sangue, que tinha doença de Chagas. Com o agravamento do seu quadro de saúde, o transplante de coração tornou-se necessário devido ao acometimento, de forma grave, do músculo mais importante do corpo.

Há quatro meses na fila de espera por um transplante, Gilcimar faz planos para retomar a prática de esportes e viver sem as limitações impostas pela doença em sua fase crônica.

Assim como Gilcimar, a corretora de imóveis Raphaela Nunes Ferreira, de 23 anos, aguarda sua vez na fila por uma córnea há três anos. Para ela, o transplante significa “uma nova oportunidade de ter uma vida normal. A primeira coisa que quero fazer é tirar carteira de motorista, que é uma coisa que eu sempre quis e nunca pude”, revela.

Aprimorar a identificação

Para que o Brasil alcance resultados melhores na captação e realização de transplantes é necessário que, paralelo ao crescimento da adesão familiar, a identificação dos possíveis doadores seja aprimorada e que todos os municípios se tornem capazes de realizar o protocolo de morte encefálica e de notificar às centrais de captação de órgãos. Situação que, ainda, não é realidade para diversas cidades brasileiras devido à falta de equipamentos e especialistas, conforme esclarece Omar Cançado.

“Em Minas, a gente continua tendo uma baixa notificação de possíveis doadores pelos hospitais. Isso é um problema crônico que demanda conscientização não somente da população, como também dos profissionais de saúde envolvidos, para tentarmos aumentar o número de notificações de possíveis doadores. A nossa notificação ainda é muito baixa se você comparar o potencial do estado e a população”, explica o diretor do MG Transplantes.

Atualmente, a notificação é de 30 por milhão de população no território mineiro. O ideal seria de, aproximadamente, cem por milhão. No caso das doações, o número de doadores por milhão de população também está distante do que poderia ser. Na Espanha, país que, ao lado dos Estados Unidos, inspirou o sistema brasileiro de transplantes, há 40 doadores por milhão de habitantes. Em Minas Gerais, esse número é de dez doadores por milhão. Antes da pandemia, correspondia a 14 por milhão de pessoas. 

Legado indireto

Ainda segundo Omar Cançado, se pudéssemos falar em um possível legado positivo da pandemia para o sistema de transplantes, seria um “legado indireto”, descrito por ele como o aumento generalizado, em todo o estado, do número de leitos de Centros de Terapia Intensiva (CTI). “Com mais leitos de CTI, temos uma possibilidade maior de identificar doadores, fazer o diagnóstico de morte encefálica e, consequentemente, notificar. Pode ser que, no futuro, isso represente um legado positivo da pandemia”, pondera.

*Este conteúdo foi produzido durante o período de restrição eleitoral e publicado somente após a oficialização do término das eleições.



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