Estudo de pesquisador da Funed propõe ampliar diagnóstico da leishmaniose visceral 

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Artigo desenvolvido pelo pesquisador da Fundação Ezequiel Dias (Funed), Job Alves de Souza Filho, traz implicações práticas inéditas para o diagnóstico da leishmaniose visceral em todo o Brasil. 

O estudo, que avaliou cerca de 30 mil ensaios realizados ao longo de 10 anos para o diagnóstico da leishmaniose visceral na Funed, foi publicado pela revista científica Parasitology Research, em 6/1, e propõe reorganizar o fluxo e a necessidade de exames para o diagnóstico da doença.

No artigo, Job Alves ressalta que a LV requer ensaios diagnósticos para complementar a suspeita clínica. 

No entanto, como não há padronização de um fluxo diagnóstico no território nacional, sendo que cada laboratório, seja público ou privado, utiliza os ensaios disponíveis, estudar os exames já realizados possibilita aprimorar o diagnóstico da LV e melhorar os resultados para os pacientes.

Outro estudo que representou um marco no assunto foi o realizado em 2012, pela Organização Mundial de Saúde. No Brasil, esse estudo avaliou quatro testes rápidos e um painel de cerca de 500 amostras (250 positivas e 250 negativas).  

“O que estamos propondo hoje é algo mais abrangente, uma vez que foram avaliados todos os ensaios usados no Laboratório de Referência Nacional no diagnóstico da LV no Brasil, abrangendo ensaios sorológicos indiretos, diretos e moleculares”, conta Job. 

O pesquisador detalha ainda que foi também definido um fluxo diagnóstico considerando não apenas a acurácia dos testes, mas também a praticidade dos mesmos e a invasividade no processo de coleta das amostras. 

“Esse estudo fornece o embasamento científico que pode auxiliar políticas públicas que impactam diretamente o diagnóstico da LV, e mais além, mostra o sucesso de uma metodologia que pode ser utilizada também para o diagnóstico de outras doenças, ampliando os benefícios a toda população”, ressalta. 

Entenda o estudo 

Com o título “An algorithm for Visceral Leishmaniasis diagnosis in Brazil from a 10-year analysis of National Reference Laboratory data”, o artigo foi escrito por Job Alves de Souza Filho, com contribuições do também pesquisador da Funed, Marcos Paulo Gomes Mol, pela Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento; e de Fernanda Alvarenga Cardoso Medeiros, pela Diretoria do Instituto Octávio Magalhães da Funed. 

O estudo teve como objetivo avaliar o desempenho de um painel de nove ensaios para diagnóstico da LV, entre eles os ensaios parasitológicos, moleculares e sorológicos, e propor um fluxo diagnóstico com base no desempenho, praticidade e invasividade. 

Foi realizada uma profunda avaliação de cerca de 30 mil ensaios realizados ao longo de 10 anos para o diagnóstico da leishmaniose visceral na Funed, que permitiu mensurar a acurácia em diferentes faixas etárias e a positividade em exames repetidos ao longo do tempo.  

“Dessa forma, conseguimos um fluxo que reduz para apenas 0,05% a estimativa da necessidade de exame em medula óssea, um exame extremamente invasivo, cuja coleta exige centros de saúde especializados, médicos e anestesistas não disponíveis na maioria dos municípios”, explica o pesquisador. O fluxo se inicia pelos testes rápidos, seguido pelo PCR em sangue, além da possibilidade de repetição de exames, deixando o exame em medula óssea como última alternativa sem perda de acurácia no diagnóstico.  

Também foi retirado a Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI), usado por muitos anos em Minas e Gerais e ainda em uso em outros estados. “A RIFI obteve um desempenho muito inferior aos testes rápidos e é muito mais complicada de ser realizada, exigindo uma infraestrutura laboratorial apropriada e pessoal com experiência para realização. A implantação desse fluxo não só amplia o acesso ao diagnóstico como reduz os custos para o estado”, enfatiza Job Alves. 

Publicação

“O processo de publicação do artigo levou meses, uma vez que os revisores foram bastante rigorosos. Vejo isso como extremamente importante, pois hoje temos o respaldo de uma revista reconhecida internacionalmente para podermos alcançar patamares ainda maiores, como a padronização dos fluxos, a diminuição da necessidade de amostras invasivas e um maior acesso ao diagnóstico”, ressalta Job Alves. 

As doenças, causadas pelo protozoário do gênero Leishmania, têm como principais formas de manifestação a leishmaniose tegumentar (LT), que afeta principalmente a pele e mucosas, e a leishmaniose visceral (LV), que é a forma mais grave e atinge os órgãos internos, principalmente baço, fígado e medula óssea. 

Segundo o pesquisador da Funed, a letalidade da forma visceral pode ser maior que a infecção por ebola, se não houver tratamento, chegando próxima a 100%. 

Referência nacional em leishmanioses 

O Laboratório Central de Saúde Pública de Minas Gerais (Lacen-MG/Funed), representado pelo Serviço de Doenças Parasitárias (SDP), é referência nacional para o diagnóstico da leishmaniose visceral, tendo a função não apenas de diagnóstico da doença, mas também de gerenciar a rede de diagnóstico no estado e nacionalmente. 

No SDP, é realizado o diagnóstico da LV em humanos e em cães, pelo fato desses animais serem os principais reservatórios urbanos da doença.  

O desenho de um novo fluxo para diagnóstico da LV, defendido no artigo, será levado para a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais quanto para o Ministério da Saúde (MS), a fim de que os laboratórios de todo o território nacional possam seguir a mesma conduta, reduzindo assim a necessidade de testes invasivos, sem comprometer a precisão diagnóstica.