Contato com animais domésticos é ameaça para fauna silvestre

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Filhote de tamanduá-bandeira recebido no Cetas BH - IEF / Divulgação

A perda e a fragmentação de habitat, além dos diversos crimes ambientais - como tráfico, atropelamento e cativeiro irregular - são algumas das inúmeras dificuldades enfrentadas pelos animais silvestres da fauna brasileira e do mundo todo, que causam impacto na vida desses bichos e, por consequência, em ecossistemas inteiros.

Outra questão tem despertado a preocupação de analistas ambientais do Instituto Estadual de Florestas (IEF): dentre os animais silvestres recebidos nos quatro Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Minas Gerais, alguns têm chegado gravemente feridos e com doenças transmitidas por animais domésticos, como cães e gatos.

Os ataques aos animais silvestres têm resultado desde leves escoriações até mutilações de membros. Outro ponto de alerta é a transmissão de doenças, como cinomose e raiva, que levam alguns deles à morte, principalmente filhotes. Muitos também chegam aos Cetas com quadros graves em decorrência da aquisição de parasitas de cães e gatos, como vermes, pulgas, carrapatos e bichos de pé. 

Desafio

Apesar de receberem tratamento intensivo das equipes desses centros, muitos desses animais não conseguem voltar ao seu habitat, devido às sérias consequências do trágico contato com a fauna doméstica. A maioria desses cães e gatos vivem em sítios e fazendas, em regiões próximas a matas e unidades de conservação. O contato com a fauna silvestre chega a ser inevitável, principalmente quando o tutor do animal doméstico não o mantém saudável e distante dessas regiões.

Dentre os animais silvestres que mais são atacados e adquirem doenças estão os tamanduás-bandeiras e mirins e, em seguida, os lobos-guarás, os gambás, as raposinhas do campo, os cachorros-do-mato, ouriços-cacheiros, micos e aves das mais variadas espécies - a maioria ameaçados de extinção. 

Filhote de lobo-guará - IEF / Divulgação

De acordo com a médica veterinária do Cetas de Belo Horizonte, Érika Procópio, além da gravidade dos ataques de animais domésticos, levando alguns dos silvestres a óbito, a transmissão de doenças tem sido mais uma grande preocupação. A cinomose, por exemplo, uma das doenças transmitidas por cães, tem chegado a filhotes de tamanduás, lobos guarás e cachorros-do-mato. Por eles não apresentarem anticorpos e também pela falta de estudos científicos sobre esse tipo de situação, o tratamento acaba mais limitado.

“Usamos o protocolo de tratamento que é feito para cães contaminados pela cinomose, mas nem sempre temos sucesso, principalmente quando esses filhotes chegam em estado grave”, conta Érika.

Resgate

A veterinária alerta para a urgência do resgate desses animais quando encontrados em situações de vulnerabilidade, seja em áreas que os coloquem em risco ou feridos. Ao se deparar com qualquer animal silvestre nessa situação, o cidadão deve imediatamente procurar o Cetas ou a Polícia Militar Ambiental de sua região.

Do acolhimento à soltura

Durante o acolhimento nos Cetas, os animais silvestres recebem todos os cuidados necessários e são constantemente avaliados para estarem aptos ao retorno à natureza. 

O Estado conta, atualmente, com três Cetas - em Juiz de Fora, na Zona da Mata, Montes Claros, no Norte de Minas, e em Belo Horizonte, onde a unidade é compartilhada com o Ibama - e um Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras) em Patos de Minas, que atende demandas do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

Durante o trabalho de acolhimento e reabilitação dos animais silvestres, os analistas ambientais estudam sobre as espécies, até estarem saudáveis e preparados para envio às áreas de soltura do Projeto Áreas de Soltura de Animais Silvestres (Asas). As informações são essenciais para manejo e conservação em outras localidades. 

De acordo com a diretora de proteção à fauna do IEF, Liliana Adriana Nappi Mateus, as ações do IEF têm propiciado a soltura de uma média de 55% do total de animais recebidos. Em 2019, 6.928 animais foram recebidos em todos os Cetas de Minas Gerais e 3.640 retornaram ao seu habitat natural. Neste ano, os Cetas já receberam, até maio, 2.421, dos quais 1.350 foram reintroduzidos em seu ambiente natural.

Em todo o estado são 51 áreas cadastradas junto ao IEF e aptas para soltura.

Tutor responsável

Os cuidados com animais domésticos em regiões rurais são essenciais para a saúde e vida do pet. Ter um animal de estimação exige tempo e dinheiro. Eles precisam da companhia durante muitas horas do dia, boa alimentação, água fresca, vacinas, remédios em caso de doenças ou machucados, idas regulares ao veterinário, entre outros cuidados. Ao manter o animal doméstico saudável e seguro, o tutor preserva a vida do pet e, consequentemente, dos animais silvestres locais.

Conforme explica o médico veterinário José Begalli, do Núcleo de Fauna e Pesca da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), quando o calendário de vacinas é mantido em dia, o tutor evita com que o seu pet transmita e adquira doenças de animais silvestres. “É importante lembrar que os tutores não devem estimular cães e gatos para a caça de animais silvestres. Essa prática é crime ambiental, descrito na Lei de Crimes Ambientais, de 1998”, ressalta Begalli.