Projeto de leitura que reduz tempo na prisão tem participação de mais de 300 detentos em Ipaba

Unidade é considerada modelo nesse tipo de atividade; em todo o estado são 77 presídios e penitenciárias e 4,3 mil presos envolvidos

imagem de destaque
  • ícone de compartilhamento

Um programa que aumenta a cultura e diminui o tempo de pena teve um aumento na participação dos presos superior a 88% em comparação com o mesmo período do ano passado. Aproveitar o tempo durante o cumprimento de pena em unidades prisionais de Minas Gerais, com a leitura de clássicos da literatura e livros de autoajuda, é o que aproximadamente 4,3 mil presos do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG) fizeram em maio deste ano. A estatística representa um grande avanço na comparação com o mesmo mês do ano passado, que teve a participação de 2.280 presos. Do total de 4,3 mil, 362 estão na Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho, em Ipaba, na região do Vale do Aço, uma das unidades modelo nesse tipo de atividade.

Essas leituras e a remição de pena por meio da produção de um relatório ocorrem de forma sistematizada, por regulamentação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - a Resolução nº 391/2021. Ela estabelece a redução de quatro dias de pena para cada obra lida, com a condição de produção de um relatório de leitura aprovado por voluntários com conhecimento e formação acadêmica para a atividade. A resolução estabelece um limite máximo de 12 obras para um período de 12 meses, assegurando a possibilidade de remição de 48 dias.  

A diretora de Ensino e Profissionalização do Depen-MG, Maristela Pessoa, lembra que além de todos os benefícios reconhecidos na atividade de leitura, como o conhecimento, aprimoramento do vocabulário e da escrita, os livros permitem sonhar. “Os ganhos são subjetivos e não há barreiras físicas para aqueles que se dedicam à leitura. Recebemos boas notícias, de todas as unidades inseridas na remição pela leitura, do quanto que os presos são transformados positivamente com os livros”, destaca a diretora. 

Para a Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho passar de 112 presos envolvidos nas atividades de leitura, em março deste ano, aos atuais 362, o trabalho voluntário de cinco alunos da Faculdade Anhanguera Pitágoras, de Ipatinga, na validação dos textos, e a plataforma criada pelo agente penitenciário Luiz Arnoni foram fundamentais e tornaram possível ter como meta atingir 500 presos em agosto. 

A ferramenta digital idealizada e posta em funcionamento pelo agente penitenciário é simples de operar e eficiente. Ela resolve um gargalo na remição pela leitura, mesmo em pequenas unidades prisionais, que é a leitura, a validação e o arquivamento dos textos manuscritos dos detentos. Arnoni facilitou os processos ao digitalizar os relatórios de leitura e fazer com que eles possam ser validados de qualquer lugar. Neste sistema, as pessoas que avaliam os trabalhos são obrigadas a colocar uma justificativa em caso de invalidação, ficando disponível para o Judiciário e o advogado do preso. “A plataforma foi avaliada e aprovada em vários aspectos pelo Ministério Público e o Poder Judiciário. É uma grande alegria ver como cresceu a procura pela remição e como os trabalhos foram ampliados. Ela está disponível para qualquer unidade prisional”, ressalta Luiz Arnoni. 

Umas das estudantes voluntárias, Lorena Borges, 21 anos, do 8º período de Direito, destaca as inúmeras possibilidades da tecnologia utilizada na penitenciária, como obter dados estatísticos de livros lidos, participação de presos, número de obras validadas, entre outros. “A gente percebe que eles (presos) entram em função da remição pela leitura, mas depois surge realmente o gosto e o prazer. É evidente a evolução de vários deles na escrita. Por acaso, já passaram por mim três textos do mesmo preso, os dois primeiros invalidei, o terceiro estava ótimo”, conta empolgada. 

Bernardo Carneiro / Sejusp-MG

Concretude 

Apesar dos resultados da leitura serem graduais e pouco palpáveis, ao percorrer, de forma despretensiosa, os corredores dos pavilhões carcerários da Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho é possível ouvir detentos conversando sobre a traição ou não de Capitu, a personagem de Dom Casmurro, uma das obras de Machado de Assis. A porta da cela, a chamada “capa”, na gíria do cárcere, é o lugar preferido dos leitores, por ser o mais claro e sossegado. 

Esta e outras gírias vão sendo abandonadas, aos poucos, conforme os presos se aprofundam nas leituras. E as conversas também mudam, deixam de ser apenas sobre o mundo do crime, conforme relato das pedagogas da unidade prisional Natália Cristina e Lucileia Ferreira.  

As pedagogas ressaltam a importância do voluntariado na validação dos textos, assim como o software usado para o controle dos textos, mas fazem questão de dizer que todos os servidores, das várias áreas, apoiam e acreditam na ressocialização por meio da leitura. “A educação pode romper a reincidência no crime e o retorno às unidades prisionais. Hoje, oferecemos escola, acesso ao ensino superior a distância e a remição pela leitura. O mais importante é entender o que somos. Portanto, precisamos promover atividades que mostrem as capacidades dos indivíduos privados de liberdade, dar oportunidades que promovam a reintegração social, como uma oportunidade de trabalho, de estudo e assistência religiosa. O projeto de remição pela leitura funciona, basta querer fazer", garantem as pedagogas.

Para a implantação da remição pela leitura, o primeiro passo é conhecer detalhadamente a Resolução 391/2021 do CNJ, e procurar o juiz da execução da comarca para conversar sobre esta modalidade de remição. “Sem o apoio do Judiciário não há o projeto de remição pela leitura”, explicam. 

Acervo 

Dois presos cuidam da biblioteca da penitenciária, formada por cerca de 2 mil livros, com títulos da literatura brasileira e internacional, além de obras de autoajuda, que ocupam os primeiros lugares dentre as mais lidas. Alguns títulos têm vários exemplares, como é o caso daqueles doados pelo Departamento Penitenciário Nacional, o que fomenta o debate dentro das celas. 

Mateus do Nascimento, 28 anos, tem apenas 15 dias de trabalho na biblioteca e já conhece os interesses de vários colegas. “Os pedidos chegam, muitas vezes, por indicação de alguém que leu uma obra emprestada do nosso acervo. Eles colocam bilhetes dentro do livro, quando devolvem, solicitando uma determinada obra. Poucos ingressam no projeto com o hábito de leitura, isso acontece depois”, explica. 

Os livros são entregues nos pavilhões carcerários por presos que conhecem as preferências dos colegas, e retornam para a biblioteca sempre em bom estado. 

De leitor a escritor 

A remição pela leitura tem criado fortes ligações pelos livros, e até mesmo despertado talentos. É o caso do detento Eduardo Fernandes Silva que escreveu e publicou o livro "O Colar de Pedra Roxa". A obra pode ser adquirida no site da Amazon. “Comecei a gostar de leitura e de escrever depois de começar a participar do projeto de remição pela leitura em 2017, no Presídio de Campo Belo. Durante as leituras, comecei a escrever poemas e sempre enviava para o setor de terapia ocupacional, que me incentivava”, revela o detento.  



Últimas