MG Transplantes comemora quebra de recorde do número global de doadores

Já a fila de espera para transplante de córneas registra queda significativa de doações

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Neste Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos, celebrado hoje (27/9), o MG Transplantes vive uma dupla realidade. Por um lado, comemora a superação do seu recorde histórico de doadores (alcançado em 2012 e repetido em 2014), ao passar de uma taxa de 12 por milhão para 12,9 por milhão, um crescimento de 30% do número de doadores efetivos, com a expectativa de que esse número cresça até o final de 2019.

Houve, ainda, redução significativa da recusa familiar, de 60% para 40%. Por outro lado, desde 2015, registra-se uma queda importante do número de doações de córneas, com uma fila de espera que contabilizava, em agosto deste ano, 1.104 pessoas.

De acordo com o diretor do MG Transplantes, Omar Cançado, os resultados alcançados com o aumento do número global de doadores e a queda do percentual de recusa das famílias são os primeiros reflexos da nova política adotada, que tem como base o treinamento das equipes envolvidas na captação de órgãos e tecidos em todo o estado. Dois bons exemplos dessa nova fase são os cursos de diagnóstico de morte encefálica e de comunicação em situações críticas. Esse último, busca aprimorar a abordagem às famílias e, com isso, ampliar a taxa de adesão.

“Espero que, num futuro próximo, a população de Minas esteja mais consciente da importância da doação e que o estado se torne exemplo no país como comunidade doadora”, planeja Omar Cançado.  

Destaque

Dados da Central Nacional de Transplantes (CNT) mostram que, nacionalmente, o MG Transplantes ocupa o 5º lugar em número absoluto de doadores e o 12º por milhão de população. No caso da realização de transplantes, ele está em 2º lugar nacional em número absoluto, mas em 13º lugar em número de transplantes de córneas por milhão de população, sendo esse último dado da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). De janeiro a agosto deste ano, foram realizados 1.497 transplantes de órgãos e tecidos em Minas.

Em Minas, no ano passado, o número de doadores era 207. Este ano, até o dia 20/9, passou para 210, superando todo o ano de 2018. Vale lembrar que qualquer pessoa, entre 2 e 80 anos incompletos, dentro dos critérios estabelecidos, pode se tornar doador de tecidos oculares (córneas e escleras). Para os outros órgãos há critérios específicos. 

Campanhas permanentes

Para manter e buscar ultrapassar os bons resultados dos últimos meses, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), em parceria com o MG Transplantes, desenvolveu um programa de campanhas permanentes de incentivo à doação de órgãos e tecidos, com lançamentio nesta sexta-feira (27/9).

O programa prevê, ainda, o uso de um selo alusivo à doação, a ser usado por parceiros de mobilização social da SES, oriundos de vários segmentos, a fim de disseminar e naturalizar a cultura da doação de órgãos e tecidos entre os mineiros.

Equipe do MG Transplantes (Crédito: Divulgação/Fhemig)

Além disso, há previsão de que, até julho de 2020, o MG Transplantes, que é a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CNCDO) do Estado de Minas Gerais, se instale em um novo endereço, com infraestrutura mais adequada e maior capacidade de atenção às suas necessidades.

Educar para doar

Há um consenso quanto à necessidade urgente da inserção da temática da doação de órgãos e tecidos no currículo escolar. A ideia é que o tema seja tratado a partir da disciplina de Ciências, nos anos finais do ensino fundamental, de modo a se estabelecer as bases para uma nova cultura em torno da questão, e o assunto da doação de órgãos e tecidos se tornar parte do cotidiano.

De acordo com o coordenador do Banco de Tecidos Oculares do Hospital Regional João Penido, em Juiz de Fora, Frederico Barletta, o ato de doar órgãos e tecidos deve adquirir um caráter cultural, fazer parte do cotidiano das pessoas e não ser encarado como uma situação de exceção, a ser levada em conta apenas no momento do óbito. Ele acredita que a morte pode - e deve - ser encarada de outra forma, além da dor e da perda. “É uma parte do corpo do ente querido que está vivendo em outro corpo”, sublinha.

Córneas

“Em 2015, dois anos após alcançar o marco de fila zerada para os transplantes de córneas, houve uma queda do número de doações e transplantes realizados, com consequente aumento da lista de espera”, alerta a coordenadora do Banco de Olhos do Hospital João XXIII, Marcela de Freitas.

Com a baixa nas doações, o tempo de espera na fila passou a ser de aproximadamente 11 meses. Cabe ressaltar que fila zero significa que a quantidade de órgãos e tecidos vai ser suficiente para transplantar toda a demanda em três meses. 

Frederico Barletta reforça que as recentes mudanças das regras de elegibilidade de doadores, com a ampliação dos fatores de contraindicação, tendo em vista a qualidade dos tecidos ofertados, também contribuíram para a redução do número de córneas disponíveis para doação.

Com base em sua experiência na Zona da Mata, ele afirma que ainda há um baixo índice de notificação por parte de alguns hospitais e UPAS, em torno de 20% a 25% do total de ocorrências potencialmente elegíveis para doação. O médico ressalta, no entanto, que a recusa familiar continua sendo um dos principais fatores para o baixo índice de doações em todo o país.

Marcela Freitas ressalta que é importante esclarecer que, no caso da doação de córneas, não é necessário que o paciente esteja em morte encefálica. Pela legislação, também qualquer paciente que esteja em óbito é um potencial doador de tecido ocular (córneas e escleras). A retirada para a doação pode ocorrer em até seis horas após o óbito e o transplante da córnea pode ser realizado até 14 dias depois.

Atualmente, há três bancos de tecidos oculares (BTOC) em Minas Gerais: dois deles pertencentes à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Em Belo Horizonte, o BTOC do HJXXIII; em Juiz de Fora, o BTOC do Hospital João Penido, e, em Uberlândia, o BTOC da Universidade Federal de Uberlândia.

O Banco de Tecidos Oculares do HJXXIII é o principal do estado. Ele é responsável pela regional metropolitana e fornece grande parte das córneas para transplantes em Minas, além de receber tecidos oculares de outras regiões do estado e do Brasil.

João se diz grato pela qualidade de vida após receber a doação de córnea (Crédito: Divulgação/Fhemig)

Falsa ideia

A maioria das pessoas tem uma falsa ideia sobre a aparência final dos corpos após o processo de retirada dos órgãos e tecidos para transplantes. Isso contribui bastante para a recusa, pois não leva em conta o fato de que os corpos são reconstituídos, de forma a não evidenciar que houve a retirada. 

“O importante é informar que o processo de doação de córneas é simples, não há mutilação do corpo. Com a reconstituição, não percebemos que houve a doação”, garante Marcela Freitas.

Na fila

A doméstica Simone Gomes, de 41 anos, é uma das 1.104 pessoas que aguardam por um transplante de córnea em Minas. Há quase um ano na fila, Simone tem ceratocone e está ansiosa pelo transplante do olho esquerdo. Ela conta que a doença se manifestou aos 16 anos de idade. Hoje, apresenta um grau muito avançado e ela tem grande dificuldade para realizar atividades básicas do seu dia a dia, como pegar ônibus, ler e subir escadas, e está afastada do trabalho há um ano e meio.

“Eu dependo de uma doação para ter uma vida melhor. O pior dessa doença é você ser julgado o tempo todo. Quem me vê pensa que sou normal e, às vezes, estou com dificuldades para descer do ônibus e as pessoas me empurram por não entenderem o que está acontecendo”, lamenta.

Já o aposentado João Magalhães, de 66 anos, vive uma realidade oposta. Transplantado de córnea em 2008, hoje ele tem uma vida normal. Assim como Simone, o ceratocone de João se manifestou cedo, aos 14 anos de idade, em ambos os olhos.

Ao entrar na fila, João não esperou muito, e a cirurgia foi realizada um mês depois. Ele tinha 12 graus de miopia e vivia uma vida muito limitada. Antes do transplante, era quase impossível dirigir à noite, tinha dificuldades para caminhar e, vez por outra, sofria quedas. Sua vida no trabalho também era bastante limitada.

Ele, então, abandonou a profissão de instrutor de autoescola e se dedicou à produção de bananas, no Norte de Minas Gerais, para se adaptar às limitações impostas pela doença. “No início, a gente fica querendo saber quem doou. Sente muita gratidão por ter mais qualidade de vida”, conta o aposentado.



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