Hospital Galba Velloso reforça Semana de Arte como recurso terapêutico

Projeto oferece programação gratuita para o público e tem como base a política de humanização em saúde mental

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Alexandra Marques/Fhemig
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A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) realiza, há três anos, sempre no mês de outubro, a Semana de Arte do Hospital Galba Velloso (HGV). No período, a rotina da unidade é transformada para levar os pacientes a imergir no universo das artes. Encerrada na última semana, a terceira edição da iniciativa levou ações diversificadas, com participação ativa dos usuários do serviço.

As atividades, promovidas por artistas e grupos voluntários, por meio de redes colaborativas, vão da música à literatura, com a poesia ocupando papel de destaque, e passam pelas artes plásticas, fotografia, artesanato, entre outras. O projeto tem como base a política de humanização em saúde mental e as práticas de intervenções artísticas adotadas pelo hospital desde a sua criação. Toda a programação é gratuita e aberta à participação do público.

A Semana de Arte eleva a outro patamar as interações entre pacientes, profissionais do hospital, artistas voluntários e visitantes – número que cresce a cada ano –, com resultados evidentes no quadro clínico de muitos pacientes. Ao possibilitar um relacionamento efetivo entre as pessoas em tratamento na unidade de saúde mental e a comunidade externa, a iniciativa contribui para desconstruir preconceitos com relação a pacientes psiquiátricos.

Neste ano, a edição, realizada de 21 a 25 deste mês, foi intitulada “A Casa da Poesia”, e teve como foco a obra da escritora mineira Adélia Prado.

Interação com o diferente

Desde a primeira edição da Semana de Arte, estudantes do Instituto Casa Viva, instituição privada de ensino, localizada no bairro Cidade Jardim, visitam o HGV. A escola aborda, em sala de aula, a temática da luta antimanicomial, além de levar os alunos para interagir com os pacientes. Segundo a diretora do Hospital Galba Velloso, a psiquiatra Luzmarina Morelo, a interação é intensa. “Os adolescentes conversam com eles, cantam. Cada vez que os estudantes vêm é uma experiência diferente. Essa aproximação ajuda a desconstruir os estereótipos e a reduzir o preconceito”, destaca.

Outra presença comum é a de servidores da Fundação Ezequiel Dias (Funed), instituição localizada ao lado do HGV, bem como de familiares e amigos dos artistas que participam da Semana de Arte. “A pessoa em sofrimento mental ainda é vista como alguém que não dá conta de fazer ou lidar com alguma coisa. Quando propomos estarmos juntos de outra maneira, é para mostrarmos que somos todos humanos, que temos fragilidades e que precisamos lidar com essas fragilidades, com os sentimentos e com as emoções”, ressalta Luzmarina.

A diretora ressalta que, com o início da Semana de Arte, é notório o apaziguamento interior experimentado pelos pacientes. Segundo ela, à medida que as apresentações e oficinas se desenrolam, eles mudam de comportamento rapidamente. “Ficam mais amorosos, mais cuidadosos uns com os outros”, observa a diretora.

“Como seres humanos, temos que estar abertos às diferenças. Não querer consertá-las. Essas experiências enriquecem nosso trabalho como profissionais da saúde mental. O discurso poético reveste a realidade com a beleza da vida”, afirma Luzmarina, em consonância com o uso da arte para tratar a loucura, método desenvolvido pela psiquiatra alagoana Nise da Silveira que revolucionou a saúde mental no Brasil.

Veterano nas semanas de arte do HGV, o artista plástico, muralista e grafiteiro Gabriel Dias apresentou nesta edição a proposta de mediar a produção coletiva de um mural no espaço Galbarte (local destinado às atividades terapêuticas com suporte na expressão artística). A ideia agradou e os pacientes levaram ao mural partes de suas histórias de vida.

“Estar na Semana de Arte me sensibiliza, me faz tentar entender mais a mente humana. Os pacientes têm uma reação muito espontânea. As pessoas, em geral, estão muito duras. Quando faço meus grafites nas ruas, muitas passam por eles indiferentes. Aqui, há uma interação muito grande, eles se interessam pelo que está sendo realizado”, reflete.

Com suas oficinas de percussão, o músico, ator e educador Carlos de Souza é outra presença constante nas Semanas de Arte do Galba Velloso. “A Semana de Arte tira a gente do lugar comum. A gente quase não usa palavras, é tudo olho no olho. A arte desconstrói barreiras, estar junto com eles é uma delícia”, revela.

Neste ano, equipes do Centro Atenção Psicossocial (Capes) de Santa Luzia também atuaram no projeto, seguindo a linha de participação, nos últimos dois anos, dos profissionais do Capes Lagoa Santa.

Experiência compartilhada

A assistente social e servidora do HGV, Thalita Lisboa, trabalha no hospital há quase cinco anos. Ela conta que a Semana de Arte é esperada por todos: pacientes, profissionais do hospital e artistas voluntários. “A atmosfera do hospital muda completamente. Há uma aproximação entre nós”. Thalita brinca que, nos últimos anos, todos os envolvidos na produção da Semana de Arte têm se comportado, em relação às edições futuras do projeto, como os carnavalescos das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo. “Nem acabou a terceira semana  e já estamos pensando na quarta”, revela a assistente social.

Para a psicóloga e gerente assistencial do HGV, Cláudia Apgaua, durante o evento, o que se vive é uma transformação. “Espaços são usados de outra maneira e a gente interage de outro modo. Temos a sensação de que ocorre uma revolução”, sublinha. “O momento da semana com os pacientes, os artistas e os visitantes é um privilégio. Todos que estão aqui melhoram, nos tornamos mais espontâneos, adquirimos mais liberdade. Tem o antes, o durante e o que fica da Semana de Arte”, sintetiza Cláudia.

Vários pacientes também se expressaram em relação à experiência da Semana de Arte. “Essa semana de arte alegrou meus pensamentos. Tudo de ruim vai embora”, disse um deles. Por sua vez, Everton, outro usuário do serviço, que participou da pintura coletiva de um mural, contou que estava sem palavras para dizer. “É tipo indefinível”, completou.

Outro participante, após ouvir a apresentação de “A QuarTETA” (grupo musical feminino especializado em chorinho), comentou com a diretora Luzmarina: “O nome dessa música é chorinho? Não sabia. Limpou a dor aqui dentro. Agora é leve”.

Os depoimentos, para a instituição, revelam a importância do projeto, sobretudo no contexto da capital Belo Horizonte, reconhecida nacionalmente como referência em saúde mental. O papel do Estado também é fortalecido pela manutenção de uma das redes de atenção psicossocial mais organizadas do país.

Perfil assistencial

O Hospital Galba Velloso é uma das unidades de saúde mental da Rede Fhemig. O hospital acolhe e trata pessoas em crise, até sua estabilização psíquica, e também articula a continuidade do tratamento na Rede de Atenção à Saúde Mental do município, da região metropolitana e de outras cidades mineiras, com objetivo de possibilitar o restabelecimento dos laços sociais. O HGV realiza ainda atendimento psiquiátrico de urgência (dia e noite) e internações.



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